Aposta no futuro e esperança nos jovens

Infelizmente, ainda não foi inventada nenhuma máquina ou método eficiente que possibilite certezas sobre o futuro. Vivemos o instante do presente, seja pessoalmente ou nas instituições às quais estamos vinculados, temos como referência as experiências já vividas no passado e as circunstâncias presentes, que permitem agir deste ou de outro modo, com a expectativa de um futuro melhor.

Há quase 5 anos, quando o Instituto Crescer Legal foi criado, como uma iniciativa coletiva que buscava oferecer oportunidades concretas para os adolescentes nas regiões produtoras de tabaco, não se tinha ideia de onde iriamos chegar. Sementes de boa qualidade foram plantadas, experiências de gente competente foram reunidas, parcerias foram construídas e um trabalho sério de planejamento foi realizado, mas, acima de tudo,  foi feita uma grande aposta no futuro.

Já é tempo de demostrar resultados. Até o final de 2019, foram oferecidas turmas nos municípios de Boqueirão do Leão, Candelária, Cerro Branco, Herveiras, Passo do Sobrado, Vera Cruz, Venâncio Aires, Vale do Sol, Santa Cruz do Sul e Sinimbu, sendo que em alguns casos, a cada ano, em territórios diferentes dentro dos mesmos municípios. Tais localidades foram atendidas sempre em escolas ou outros espaços públicos cedidos pelas prefeituras, ou por meio da Coordenadoria Regional de Educação.

Também pode-se contabilizar o total de 333 jovens aprendizes formados, sendo 129 em 2019, o que corresponde à taxa de 94,2% de concludentes em relação aos que foram matriculados no ano. Foram realizadas três edições do Projeto “Nós por elas – a voz feminina no campo”, com o protagonismo de adolescentes meninas egressas do Programa de Aprendizagem na produção de vários programas de rádio, os quais abordam temas como combate ao trabalho infantil, mulheres no campo, violência de gênero, entre outros. Trata-se de um projeto especial, pois reúne elementos como comunicação feita por jovens, protagonismo e produção de conhecimento sobre temas relevantes na contemporaneidade. São programas de rádio educativos, visto que as temáticas de que tratam são abordadas com o objetivo de mudança cultural.

Resultados objetivos são importantes, mas a experiência qualitativa do Instituto Crescer Legal tem feito toda a diferença. Vários jovens têm destacado-se em atividades variadas, seja durante o curso que realizaram, ou quando são egressos. Somente para citar alguns exemplos, 24 jovens egressos passaram a frequentar faculdades ou cursos de formação técnica, 11 implementaram projetos de empreendedorismo que foram concebidos na etapa final do curso, e outros 48 estão em processo de implementação.

Na área cultural também pode-se referir singularidades, como a participação do Instituto Crescer Legal no concurso literário e de imagem do Fórum Gaúcho de Aprendizagem Profissional (Fogap), com abrangência estadual. Contamos com duas aprendizes premiadas, uma em 2016 (1º lugar prosa) e uma em 2019 (3º lugar verso). Desde a primeira edição do livro “Aprendizagem e Erradicação do Trabalho Infantil em prosa, verso e imagem”, já foram publicados 49 trabalhos de nossos jovens.

O Programa de Acompanhamento de Egressos permite que o jovem continue ligado ao Instituto, participando de atividades variadas, como entrevistas nos meios de comunicação, representação da Instituição, retorno para ministrar aulas sobre temas específicos para as turmas seguintes, viagem de representação, entre outros. Entre os formados, 158 tiveram alguma participação como egressos.

No entanto, aquilo de mais qualitativo que se pode referir é um sentimento: parece que  o Instituto Crescer Legal “contagia” a todos que chegam perto; adolescentes, equipe, familiares, parceiros, dirigentes, convidados. E o que “contagia” e emociona são as vidas individualizadas dos(as) adolescentes que mostram seu potencial, que importam umas para as outras, que se constroem no coletivo, que pertencem a algo maior e gera esperança. São histórias, às vezes com passados difíceis, mas que prometem um futuro de esperança. Adolescentes e adultos envolvidos recarregam cotidianamente as energias e a vontade de trabalhar e isso transforma-se em combustível para a construção de um futuro, que não sabemos qual será, mas que tudo indica será cada vez melhor.

Não sabemos sobre o futuro, é verdade. Diante da incerteza, o que resta a ser feito é planejamento estratégico. Assim foi feito pelo Instituto Crescer Legal em 2018 e, a cada ano, novas metas previstas em tal planejamento estão sendo implementadas. Em 2020 um passo importante será dado: a descentralização de uma turma de aprendizagem para além da Região do Vale do Rio Pardo, estaremos na Zona Sul do Estado, em Canguçu, importante município produtor de tabaco. Além da expectativa de fazer diferença naquela realidade, a nova etapa será uma oportunidade para que a equipe do Instituto vivencie a prática de trabalho à distância, seja no suporte administrativo à nova turma, ou na supervisão pedagógica. Isso será significativo, considerando o desejo de voos mais distantes, também previstos no planejamento estratégico.

Assim, além de Canguçu, em 2020 estão previstas outras 6 turmas: em Sinimbu, Boqueirão do Leão, Herveiras, Passo do Sobrado, Cerro Branco, Santa Cruz do Sul, as quais já contam com 140 jovens devidamente matriculados.

A visão de futuro do Instituto Crescer Legal contempla a ideia de constituir-se em uma referência no combate ao trabalho infantil no meio rural. Desafio que é gigantesco, não apenas para o Brasil rural, mas para vários países, que contam com esta problemática e lidam com a complexidade de sua erradicação.

Essa ideia de futuro já é quase concreta no presente. Várias são as oportunidades em que a equipe do Instituto tem sido chamada para relatar a experiência, a proposta pedagógica e o arranjo institucional construído, com a participação da cadeia produtiva do tabaco e a relação com parcerias. Isso tem sido visto por muita gente como uma “fórmula que deu certo”, um desenho institucional e uma concepção de trabalho que tem o potencial de reprodução por outras pessoas dispostas a enfrentar os desafios sem simplificação da realidade.

Apostar no futuro é como apostar nos jovens. Cada jovem que encontramos em nosso caminho é uma “identidade em obras”, uma mundo de possibilidades em construção. A abertura de janelas para o mundo viabiliza sonhos e projetos, abre caminhos, estimula a criatividade. Cada janela aberta, como metáfora de apresentação do mundo antes não acessível, significa esperança. Não em um futuro certo, mas em mais possibilidades.

Colunista

Ana Paula Motta Costa

Advogada, socióloga, mestre em Ciências Criminais (PUC/RS), Doutora em Direito (PUC/RS), Professora do Curso de graduação, Mestrado e Doutorado da UFRGS e Professora do Curso de Mestrado em Direitos Humanos do UniRitter. É pesquisadora há vários anos na área dos direitos das crianças e adolescentes, com vários livros e artigos publicados em periódicos científicos. É consultora do Instituto Crescer Legal para a área de aprendizagem de jovens rurais e combate ao trabalho infantil.