Iro Schünke: uma vida ligada ao agro brasileiro

Nascido em Candelária, no Rio Grande do Sul, Iro Schünke tem sua trajetória pessoal e profissional ligada ao tabaco. Algumas curiosidades da sua infância são o fato de falar somente a língua alemã até os 7 anos de idade e ter ficado um ano fora da escola. Após formado engenheiro agrônomo, pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), passou a trabalhar para indústrias de tabaco, tendo acompanhado a evolução e mudanças do setor no Brasil. Desde 2006, é presidente do SindiTabaco e uma das suas maiores realizações foi ter tomado a frente na criação do Instituto Crescer Legal, entidade que ele também preside. Sempre otimista sem deixar de ser realista, Iro Schünke faz questão de conviver com os jovens rurais e não perde oportunidades de falar da sua infância e adolescência e de dar conselhos sobre a importância de estudar e se preparar para ter condições de aproveitar as oportunidades que surgirão. Leia a entrevista:

 

O mundo rural fez parte da sua infância e juventude. Como teve início esta história na região do Vale do Rio Pardo, no RS?

Iro Schünke: Nasci lá no interior de Candelária, em Linha Passa Sete, praticamente dentro de uma lavoura de tabaco, já que o meu pai era um pequeno produtor. Naquela época, o mundo rural era diferente do que é hoje porque não havia energia elétrica, as estradas eram muito complicadas, os deslocamentos eram difíceis, a escola ficava longe e a gente tinha que ir a pé porque não tinha transporte escolar. Era um outro mundo, mas muito legal também. Meu pai tinha de 15 a 18 hectares e plantava tabaco porque naquela época já era a melhor fonte de renda e isso possibilitava uma boa diversificação na propriedade. Se plantava de tudo e se vendia algumas outras culturas, mas a principal sempre foi o tabaco. Enquanto estudante, até me formar em Agronomia aos 23 anos, no período de férias, eu sempre voltava para o interior. Então o mundo rural fez parte de uma boa parte da minha vida.

 

Aconteceram experiências marcantes naqueles tempos. Nos conte um pouco sobre suas vivências na propriedade rural da família? 

 Iro Schünke: Era bem diferente de hoje. Quando criança, só se recebia presente no aniversário e no Natal e geralmente era algo como uma bola, o que já me deixava muito satisfeito. E quando a coisa já estava melhor veio uma bicicleta, mas todo e qualquer presente era muito significativo. Também na escola, aqueles alunos que tinham melhor desempenho durante o ano ganhavam, por exemplo, um livro. Me lembro da satisfação de minha dedicação ter rendido livros, pois eu sempre gostei de ler. Uma coisa marcante desse período foi que, com 12 anos, eu tive que ficar um ano sem estudar e então li toda a Bíblia e isso foi uma coisa que me marcou muito. Isso também foi um coisa diferenciada porque, depois que terminei o primário, não tinha o ginásio na escola. Foram tantas coisas, as brincadeiras eram muito diferente de hoje, era descendo morro abaixo, era no meio do mato, eram coisas que deixam marcas muito boas na vida. Não tínhamos tantos brinquedos comprados, então a gente mesmo fazia alguns. Mas o importante é que sempre gostei de estudar e sempre me dedicava muito. E no mais, eu ajudava em tudo o que era possível na casa dos meus pais.

 

E o cotidiano do jovem brasileiro e descendente de imigrantes alemães. Quem foi o filho Iro? 

Iro Schünke: Até sete anos eu só falei alemão porque era a língua que meus pais falavam. E só aprendi a falar português quando entrei para a escola. Meus pais só tiveram dois filhos e eu era o mais novo. Sempre tive vontade de estudar mais, mas sempre fui muito educado porque na época a gente tinha que ter disciplina. Acho que uma das grandes diferenças do passado para hoje é que os pais realmente ensinavam os valores e isto efetivamente eu aprendi muito com meus pais. Obedecíamos aos pais e seguíamos os ensinamentos que nos passavam. 

 

O desejo de se tornar um engenheiro agrônomo era um dos sonhos do jovem Iro? Como foi sua vida e formação universitária. Quais lembranças destacaria? 

Iro Schünke: Quando terminei o primário, contra minha vontade tive que parar um ano de estudar porque tinha somente um ginásio na região, que sempre estava cheio e era caro. Felizmente, quando eu tinha 13 anos, surgiu um ginásio agrícola em Candelária e aí eu pude voltar a estudar. Quando voltei a estudar, eu já tinha em mente me formar em Agronomia, isso em função da minha origem rural, eu gostava da terra e dessas coisas relacionadas à propriedade. Depois do ginásio, fiz curso técnico agrícola e depois eu consegui entrar na universidade e fazer Agronomia. 

 

Sobre o mundo dos negócios e do setor industrial do tabaco, quais foram os avanços que o senhor presenciou nestas últimas décadas? 

Iro Schünke: Sempre brinco que sou o ‘Último dos Moicanos’ no setor do tabaco. Minha vida toda foi ligada ao tabaco, desde a infância rural e, depois, na juventude, que quando não estava estudando, eu ajudava o pai quando precisava de mão de obra no campo a auxiliava em todas as práticas culturais. Então eu comecei, em 1975, a trabalhar em empresa de tabaco e foi nesse período que o Brasil abriu os olhos para a exportação do produto. Tinha havido, alguns anos trás, crise na Rodésia (atual Zimbabwe) e isso abriu para o Brasil as possibilidades de exportar mais. Então, eu participei de quase todos os avanços do setor. Quando eu comecei a trabalhar, as variedades eram mais destinadas ao mercado interno e as práticas culturais eram totalmente diferentes. Por exemplo, nós não tirávamos a flor do tabaco, depois começou a ser tirada; a produção de mudas era muito rudimentar e foi sendo incrementada e chegou ao que é hoje, como o floating. Na indústria, a destala, que lá no começo era manual, depois passou para mecânica. Fui acompanhando todo o desenvolvimento do setor, tanto no campo como na indústria na medida que essas mudanças e inovações iam acontecendo. Houve tantos avanços que é até um pouco difícil comparar o passado com o agora. Mesmo considerando-se que é pequena propriedade, se a gente for comparar, se percebe tantas transformações com o uso de tecnologias. E nas indústrias, uma grande mudança ocorreu, por exemplo, com o advento da tecnologia da informação. Lembro que eu ia numa filial na época da compra e a gente tinha escritórios cheios de pessoas para tirar notas e outros trabalhos, o que hoje uma pessoa faz praticamente tudo. Também no processamento ocorreram inúmeros avanços. E tudo isso foi acontecendo e eu fui acompanhando e sou um privilegiado por ter acompanhado todas essas mudanças. 

 

Na sua visão, qual é o futuro para o mercado do tabaco com o surgimento de novos produtos?

Iro Schünke: Em termos de futuro do mercado de tabaco, para mim, o Brasil vai continuar sendo por algumas décadas, o segundo maior produtor e o maior exportador. Naturalmente que com o tempo e com todas as medidas antitabagistas, provavelmente vai ocorrer redução no consumo dos cigarros que são os mais consumidos agora. Mas, o Brasil, em termos de produção e exportação, por aquilo que representa hoje, se continuar tendo preço competitivo, vai muito longe. E se tiver que começar a reduzir a produção, vai começar pelos mercados onde tem produções marginais e onde não tem toda essa qualidade, sustentabilidade e integridade do produto que temos aqui no Brasil. Então, eu diria que, com tudo o que está sendo feito contra, no Brasil, eu acredito que nós vamos longe. O surgimento de novos produtos é benéfico ao consumidor. Aqui no Brasil, está havendo essa dificuldade para os DEFs, dispositivos eletrônicos de fumar, serem liberados, mas está confirmado que realmente causam menos danos do que o cigarro tradicional. Então, ele vão continuar crescendo como já estão crescendo em vários países do mundo e são uma nova opção ao consumidor que quiser continuar a consumir nicotina.

 

A importância social e econômica da cadeia produtiva do tabaco do Brasil ainda é desconhecida por muitos. O que considera importante que a população em geral e os formadores de opinião saibam sobre o tema? 

Iro Schünke: Nós temos feito o possível para difundir o mais possível, inclusive quando as pessoas não querem ouvir o que estão ouvindo. Talvez em função do produto final, que é muito combatido, é que a grande maioria só ouve isso. Mas há anos a gente vem fazendo um trabalho tentando informar mais a população e os próprios formadores de opinião sobre esse aspecto amplamente positivo, que é a importância social e econômica da cadeia produtiva. A gente quer que as pessoas e o governo entendam a importância da cadeia produtiva do tabaco que nós temos aqui no Brasil, separando isso do produto final. Além disso, se nós aqui pararmos de plantar e vender para o exterior, alguém vai fazer porque enquanto tiver a demanda, alguém vai produzir. Então, o que defendemos e fazemos o possível para divulgar é que sejam mantidas no Brasil a geração de renda, geração de empregos e geração de divisas, trazendo benefícios para todos. Outro aspecto importante é a gente divulgar cada vez mais o que a gente faz bastante e melhor do que outras cadeias produtivas, do que outros setores, que são os aspectos relacionados ao ESG (Environmental, Social and Governance). Nós viemos trabalhando esses sistemas há mais tempo e estamos aprofundando, e queremos que as pessoas também saibam que a gente está fazendo isso que o mundo procura hoje.

 

Na sua avaliação, quais foram as principais contribuições do SindiTabaco nos últimos anos? E os novos desafios?

Iro Schünke: Com a mudança das coisas, a gente foi mudando o Sindicato, até de nome de Sindifumo para SindiTabaco. Quando entramos aqui, gradativamente, a gente foi elencando três temas principais para trabalharmos no SindiTabaco. O primeiro era trabalhar toda a sustentabilidade da cadeia produtiva do tabaco. Outro era toda parte relativa a assuntos regulatórios, que ficou muito forte nos últimos anos, principalmente com o advento da Convenção-Quadro criada em 2003 e assinada pelo Brasil em 2005. Eu entrei no Sindicato em 2006 e todos esses novos assuntos regulatório são desse período. E o terceiro tema é dar mais visibilidade a tudo aquilo que o setor já vinha fazendo. A parte que cresceu muito nesse anos é a ligado ao ESG, pois já vínhamos fazendo ações, mas foram recebendo mais corpo. Essa é uma grande contribuição que o SindiTabaco dá às empresas, porque as empresas têm que ter essas contrapartidas do Sindicato e, felizmente, aqui no SindiTabaco, as empresas colocaram um série de assuntos que a gente vem trabalhando e ampliando. Hoje, aspectos técnicos que não eram discutidos em conjunto agora são. Tirando todo e qualquer assunto relacionado ao aspecto concorrencial, se discute aqui no SindiTabaco. Eu diria que houve realmente muitos progressos. Nossos novos desafios são continuar trabalhando os sistemas e estar atento para o que possa surgir. O desafio sempre vai ser muito grande. Sempre brinco que, depois que se defende o tabaco, se pode defender qualquer coisa, porque não tem no mundo uma atividade que é tão atacada. Por isso que os desafios vão continuar, vão surgir novos, mas a gente está com os olhos voltados para o futuro.

 

Em 2015, o SindiTabaco deu início à constituição do Instituto Crescer Legal. O que motivou esta iniciativa? Quais os objetivos desta organização?

Iro Schünke: Começamos a trabalhar o tema combate ao trabalho infantil em 1998 e fomos evoluindo gradativamente, conscientizando e orientando produtores para colocarem os filhos na escola. E aí nós começamos também a fazer os seminários de conscientização dos produtores. Agente sempre ouvia falar “meu filho não pode trabalhar, vai fazer o quê?”. Então nós pensamos no que podíamos fazer e em 2014, começamos a planejar sobre como ofertar algumas alternativas para esses jovens que estão no final do ensino fundamental, com 14 a 15 anos e não podem trabalhar, o que poderíamos oferecer para eles. Havia uma lacuna e perguntávamos para o Ministério do Trabalho e ninguém respondia, perguntávamos para a OIT (Organização Internacional do Trabalho) e também ninguém respondia. Eles só dizem o que não fazer, mas não dizem o que pode fazer. Pensando em mantê-los ocupados de uma forma positiva, que a gente acabou se unindo com muitas pessoas, assessoria, consultoria e acabamos, em 2015, criando o Instituto Crescer Legal. O objetivo era combater o trabalho infantil, mas principalmente oferecer novas alternativas para os jovens do meio rural, filhos de produtores rurais. E é nesse sentido que a gente, a partir da criação, começou a criar outros programas que hoje nós temos no Instituto. Nossa missão não é apenas deixar um mundo melhor para as pessoas, mas principalmente deixar pessoas melhores para o mundo.

 

Nestes oito anos de existência do ICL, os resultados obtidos atenderam às expectativas previstas? O que o ressaltaria? 

Iro Schünke: Superaram. Pelo que a gente imaginava no começo, mesmo pelas metas inicialmente estabelecidas, nós enfrentamos desafios até maiores do que inicialmente se projetava e a gente conseguiu atingir objetivos que estão acima daquilo que esperava quando o Instituto foi instituído. Já temos, neste ano de 2024 mais de mil jovens beneficiados pelo Programa de Aprendizagem Profissional Rural, vamos ter mais grupos, vamos ter dezenas de egressos também já beneficiados pelo Nós por Elas, dezenas de professores que estarão também sendo beneficiados pelo Programa Boas Práticas de Empreendedorismo para a Educação, além das oportunidade que a gente está dando para os egressos por meio de convênio com outras organizações, onde eles podem, com ajuda financeira, colocar seus projetos me prática. Então, os resultados são, eu diria, muito bons. E, eu me lembro até quando a gente lançou o Instituto em agosto de 2015, eu usei a Parábola do Grão de Mostarda, que era uma pequena semente que depois se transformou numa grande árvore. Pois essa nossa semente cresceu com uma rapidez e a árvore já está produzindo frutos e a gente vê esses frutos ficando cada vez maiores. Estamos muito satisfeitos com esses resultados alcançados.

 

Como o senhor imagina o futuro do Instituto Crescer Legal?  

Iro Schünke: Eu imagino ele cada vez mais forte. Espero que continue sendo cada vez mais fortalecido. Estamos hoje também com a parte administrativa muito bem organizada, estamos inclusive ampliando o número de pessoas que trabalham para poder atender cada vez melhor os programas. E temos o apoio decisivo das empresas, que são quem paga as contas, que contribuem para que se possa ter os recursos. A gente vê que as empresas realmente entendem o instituto como uma coisa muito importante, por aqueles objetivos que ele busca. Então, eu vejo que ele deverá ter um brilhante futuro. Espero que aqueles que me sucederem continuem pensando dessa forma. 


Quais os ensinamentos deixados pelos seus pais e avós, que o senhor considera importante para construir uma trajetória profissional exitosa? Qual mensagem que o senhor deixa para os adolescentes e jovens rurais?

Iro Schünke: O mais importante é, no começo da vida, adquirir valores com os pais e avós, que são extremamente importantes. Eu diferencio educação de desenvolvimento. Educação, na verdade, tem que ser feita em casa, tem que ser passada pelos pais em casa, principalmente a educação relacionada a valores, como respeito ao próximo, honestidade, disciplina, amor ao trabalho, solidariedade. A base que eu tenho é por causa disso. E a partir daí, para construir uma trajetória profissional exitosa, primeiro tem que ter uma oportunidade para estudar, por isso é preciso que os pais mantenham os filhos nas escolas porque aí vem o desenvolvimento. Mesmo que a nossa educação hoje esteja deixando a desejar, é preciso colocar os filhos na escola, se possível, na melhor escola que possam colocá-los. Também é extremamente importante hoje o estudo de línguas. Um jovem que quer ter uma amplitude maior para mercados maiores precisa aprender outras línguas. Hoje o inglês é ainda a mais procurada, mas outras línguas também ajudam. Quanto mais desenvolvido o jovem, maior é a possibilidade de ele ter uma melhor trajetória profissional depois. Igualmente importante para a trajetória é ser disciplinado e gostar de trabalhar, não esperar que as coisas vão cair do céu ou que o governo vai dar tudo. Então, se quer ir para a frente, prepare-se, tenha disciplina e faça pela vida, não tenha medo de enfrentar desafio e, importante também, projete um objetivo. No passado eu defini que queria ser engenheiro agrônomo e isso foi um dos meus trampolins para depois crescer profissionalmente. Tenha objetivos e não se perca no meio do caminho. É desenvolvimento, disciplina, resiliência, fé e ter objetivos bem definidos. 

Como mensagem para os adolescentes, o que eu gostaria de dizer que continuem estudando, continuem se desenvolvendo, continuem acreditando que podem e que, quando chegar o momento adequado, trabalhem. Tem que se desenvolver, acreditar, fixar objetivos e trabalhar seriamente, inclusive para que, quando surgir uma oportunidade, estar bem preparado para poder pegá-la. Felizmente na vida eu consegui fazer isso. Se eu não estivesse preparado para pegar as oportunidades, eu não teria evoluído como evoluí.