Instituto Crescer Legal: uma “janela aberta” no combate ao trabalho infantil no meio rural

Ana Paula Motta Costa
Doutora em Direito, Professora da UFRGS, consultora do ICL

Um dos sustentáculos do trabalho infantil no campo é a cultura de que o trabalho dignifica, de que se aprende a trabalhar trabalhando, de que só será possível acontecer sucessão rural aprendendo a trabalhar na terra, que enquanto a criança ou o adolescente está trabalhando, está longe das drogas, ou da violência. Estas crenças fazem sentido para as famílias, muitas vezes com histórico de gerações de trabalho infantil. É preciso conscientizar as pessoas quanto aos problemas gerados pelo trabalho infantil, porém apenas conscientizar não é suficiente.

Após os avanços já obtidos na redução do trabalho infantil, especialmente de crianças, o grande desafio está em propor alternativas para os adolescentes (IBGE, 2019). E neste terreno as dificuldades são maiores: a adolescência é uma fase da vida de muita potencialidade, mas de muito conflito. Para os jovens do campo também é difícil. Os atrativos da geração tecnológica estão no espaço urbano. Trabalhar na lavoura e/ou deixar a escola é um meio para se conseguir o que se deseja de imediato: celular, roupas,  tênis…

O Instituto Crescer Legal constituiu-se como uma alternativa para os adolescentes no meio rural do Vale do Rio Pardo, região caracterizada por pequenas propriedades rurais, em sua maioria produtoras de tabaco.

Isso é feito por meio do Programa de Aprendizagem Profissional Rural, com curso na área de gestão rural e empreendedorismo. Uma alternativa construída em parceria com o FOGAP, visto que é um dos modelos de aprendizagem de cunho social, regulamentado pelo Decreto 8.740/2016. Os jovens são contratados pelas empresas do tabaco, urbanas, mas que destinam suas cotas de aprendizagem para sua cadeia produtiva, no meio rural. Também diferencia-se porque as atividades práticas dos jovens são realizadas distantes da agricultura ou das empresas.

Destaca-se no projeto Pedagógico do Programa a organização em cinco eixos, os quais partem do reconhecimento da identidade individual, familiar e da propriedade, o diagnóstico do arranjo produtivo municipal e regional, a busca de parcerias comunitárias, a produção de uma intervenção na comunidade e, finalmente, o planejamento de um projeto, individual e/ou coletivo. Tudo isso realizado por meio de muitas parcerias, nos espaço de escolas rurais, cedidos pela Coordenadoria Regional de Educação do Estado, ou pelas Prefeituras, além de visitas técnicas e viagens de estudo.

Na caminhada que vem sendo construída, muitos avanços e conquistas são vividos todos os dias! Em 2017, 84 jovens formados, oriundos das primeiras turmas que se realizaram em 5 municípios da Região. Em 2018, mais 120 formados, de 7 turmas diferentes e, em 2019 conta-se com 136 jovens em outras 7 localidades.

Mais do que números, os jovens são surpreendentes! Cada um(a) é uma pessoa que se desenvolve, muda a si mesmo e ao seu contexto. Todos que se aproximam deste trabalho, podem sentir a energia e a potencialidade, a capacidade de superação, a inteligência, o empoderamento, a apropriação do espaço. Por mais que nós adultos desejemos projetar melhores destinos, segundo nossos pontos de vista, quem escolhe o caminho e o modo de caminhar são eles. Do lugar de adultos, resta-nos oferecer oportunidades, alternativas, abrir janelas para o mundo.

Colunista

Ana Paula Motta Costa

Advogada, socióloga, mestre em Ciências Criminais (PUC/RS), Doutora em Direito (PUC/RS), Professora do Curso de graduação, Mestrado e Doutorado da UFRGS e Professora do Curso de Mestrado em Direitos Humanos do UniRitter. É pesquisadora há vários anos na área dos direitos das crianças e adolescentes, com vários livros e artigos publicados em periódicos científicos. É consultora do Instituto Crescer Legal para a área de aprendizagem de jovens rurais e combate ao trabalho infantil.